A celebração do amor entre dois homens e as mãos dadas como símbolo dessa união (Divulgação)
Mesmo com as conquistas históricas no que diz respeito aos direitos de casais homoafetivos, ainda há muito a avançar no contexto das religiões. Representante de uma corrente religiosa considerada conservadora, Sostenes Cavalcante, 46 anos, teólogo e deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, afirma que não é obrigado a fazer coro com o movimento LGBT “de tudo que eles dizem e buscam como supostas garantias de direitos, que para mim não é só isso”. Posições como esta deixam claro que o casamento civil dos casais homoafetivos, dez anos depois, ainda está longe de um cenário de tolerância.
Sostenes afirma que é lamentável que o Brasil ultimamente tenha aberto mão da política e tudo que alguns segmentos não conseguem resolver por voto no parlamento, eles decidem judicializar. E segundo ele há uma diferença entre os homossexuais e o movimento LGBT
— Eu faço questão de diferenciar o que são os homossexuais, do movimento LGBT. Os homossexuais são pessoas que a meu critério tem uma opção sexual que deve ser respeitada por todo e qualquer cidadão. Agora o movimento LGBT este sim, é um movimento político-partidário ideológico com a sua ascensão forte a partir de 1969 nos Estados Unidos e que este tem objetivos claros, não só a garantia de direitos civis, mas o que eles querem é interferir na religiosidade e querem mudar conceitos religiosos, e é aí que nós temos um problema com o movimento LGBT e não com os homossexuais.
Sobre a adoção de casais homoafetivos de crianças, o deputado também declarou ser totalmente contrário: “
- Pessoalmente sou totalmente contrário por entender que nós temos o triplo de casais héteros querendo adotar e a legislação que impedia. Eu fui até o relator da nova lei da adoção, fizemos uma lei mais moderna, mais célere de adoção no Brasil, mas eu também tive o cuidado de não me ater a essa questão, quem pode adotar quem não pode, eu queria era que as crianças fossem adotadas. É, o que me assusta em que em um país que tem o triplo de casais héteros querendo adotar, como se dão preferências a casais e pessoas do mesmo sexo. É uma coisa que também não consigo compreender no judiciário brasileiro.”
O deputado mantém sua posição de que a união de casais homoafetivos é inconstitucional. Citou a constituição brasileira que família é homem, mulher e sua prole, texto esse que ainda não sofreu alteração e disse ser uma “forçação” de barra do Supremo Tribunal Federal querer estabelecer outros conceitos de família que não estão regulamentados na nossa Constituição. Para ele a Constituição é clara e se querem mudá-la só há um meio, fazer uma votação no Congresso, se tiver maioria de votos se aprova, se não tiver é desaprovada, ou seja, a democracia se resolvendo com instrumentos democráticos.
O Pastor Nilton Antonio de Souza, Diretor-Geral da Convenção Batista Carioca, diz que se baseia na bíblia e que não basta fazer o que dá certo e sim o que é certo. “Deus respeita as escolhas, mas não basta fazer o que dá certo, nós temos que fazer o que é certo, e o que é certo é o que a bíblia ensina, que Deus criou macho e fêmea, homem e mulher, casamento é entre heterossexuais, tudo isso está na bíblia.”
A “cura gay” que a OMS descartou na década de 90 e o Conselho Federal de Psicologia proibiu qualquer terapia que estivesse vinculada a orientação sexual de uma pessoa desde 1999 porque essas práticas relacionavam essa orientação a uma doença, mas algumas igrejas neopentecostais ainda insistem em um conjunto de técnicas que dizem extinguir a homossexualidade. Quando questionado se acreditava que a homossexualidade era uma anomalia, uma doença, ele disse:
– Não, é pecado. Levítico 18:22 – Não te deitarás com um homem como se fosse mulher, é abominação, ações que desagradam extremamente a Deus, se um homem se deitar com outro homem como mulher ambos cometeram abominação diante Deus. É o que diz a lei de Deus. E aí se vamos discutir se é genética, se é apenas questão de cultura, de ambiente, de abuso, aí são estudos, cultura, mas alguns acham que a pessoa já nasce voltada para isso, então eu conheço casos que um gêmeo é homossexual e o outro é heterossexual, como os dois que nasceram do mesmo pai e da mesma mãe no mesmo dia tem orientações diferentes? Que genes é esse que um dá uma coisa e o outro dá outra? Então tudo que é fora da orientação de Deus é pecado e pecado é errar o alvo, qual é o alvo? É a gente cumprir o propósito de Deus para a nossa vida.
O pastor disse que: “sem nenhuma dificuldade conversa com todo mundo, porque esse é um tipo de pecado e pecado sempre é pecado, então se chega uma pessoa viciada em drogas, uma pessoa procurando ajuda em algum canto da vida nós vamos ajudar na medida que a pessoa desejar ser ajudada, agora se ela quiser continuar na vida dela quem são eles para julgar a pessoa, vamos mostrar o que a bíblia ensina, se alguém chegar dizendo que mente vai procurar dizer quais são as consequências da mentira, mas eu não vou poder bater nela, ofendê-la, diremos o que é melhor fazer, a melhor escolha, se ela quiser continuar, iremos continuar como amigos da mesma maneira sem nenhuma dificuldade, porque ninguém é perfeito, todos temos dificuldades então é preciso levar a pessoa para aquilo que Deus diz que ela deve fazer, mas se ela não quiser fazer por isso que Deus nos deu livre arbítrio, a pessoa pode escolher o que ela quer fazer, então uns escolhem um lado outros escolhem outro lado, mas nós não podemos ter desamor com ninguém.”
IGREJA CATÓLICA, PAPA FRANCISCO E MUDANÇAS NA DOUTRINA
Padre Julio Lancellotti comentando sobre o livro na missa "Teologia e os LGBT+" escrito pelo Padre Luís Corrêa Lima (Divulgação)
Após as notícias de que o Vaticano proibiu o casamento homossexual, disse ser pecado e tantas falas contraditórias, muitas pessoas se questionaram sobre qual realmente era o posicionamento da igreja quanto a isso. E o documentário “Francesco” que estreou em outubro de 2020, em que o papa dizia que os homossexuais tinham direito em estar em uma família e que as leis de união civil para homossexuais são necessárias, ou seja, isso deixou as pessoas confusas, mas o papa alega que sua fala foi tirada do contexto e ele é favorável à união civil de pessoas do mesmo sexo pelo ponto de vista legal, mas a posição da Igreja continua a mesma, as relações homoafetivas são consideradas pecado e o casamento homoafetivo não é reconhecido. Mesmo defendendo posições mais inclusivas em seus discursos, Francisco não alterou nenhum dos dogmas da Igreja Católica relacionados a uniões homossexuais. Padres estão proibidos de abençoar uniões homoafetivas, porque a “verdade do rito litúrgico” é reservada para casamentos entre um homem e uma mulher.
Padre Luís Corrêa Lima, professor do Departamento de Teologia da PUC e desenvolvedor de pesquisas sobre história da igreja, modernidade, gênero e diversidade sexual, tem um site na internet que se chama “diversidade sexual, cidadania e religião”. Em seus textos publicados ele diz que a posição do papa em favor do reconhecimento legal civil dessas uniões é uma mudança da doutrina da igreja em relação ao que continha no documento da Congregação da Doutrina da Fé de 2003, e é uma mudança importante, um passo que não deve ser negligenciado.
— Na verdade, a igreja é muito polarizada, as questões de sexualidade, liberdade sexual e de gênero são muito conflitivas, são muito polêmicas, polarizadas e diversas instituições inclusive da Igreja Católica. O próprio Papa uma vez no sínodo dos bispos falou no pronunciamento final aquilo que para o bispo de um continente é uma coisa normal para outro é um escândalo, aquilo que para uma sociedade é um direito óbvio para outra sociedade aquilo é uma aberração. Então o que há é essa polaridade na igreja também, então por um lado há o consentimento do Papa há um documento que evoca a doutrina tradicional da Igreja que simplesmente repete o que está no catecismo e, em simultâneo, pronunciamento do Papa se distanciando daquele documento e impulsionando as pessoas para uma atitude mais crítica, como já acontece em vários países.
Casamento de duas mulheres e a benção sendo dada na religião delas (Divulgação)
Padre Luís em entrevista mencionou uma pesquisa feita na Holanda em que 80% dos padres concedem a benção para uniões do mesmo sexo e 50% concedem essas bençãos no templo católico.
“Isso em outro contexto seria um caos, uma coisa extremamente conflitiva, então essa abertura já existe em muitos lugares, porque em outros lugares essa benção acontece de maneira discreta, sem foto, ou se o ministro participa dessa celebração ele não é fotografado, aí depois mostram outros momentos da celebração, da confraternização etc.
" Ou o que acontece também é que os próprios pais é que fazem a celebração, eu sei, por exemplo, tive uma aluna de teologia na PUC que a mãe tem uma filha lésbica que mora no Canadá diz que a filha ocultou a própria homossexualidade da mãe e foi morar no exterior para poder viver isso, depois a mãe ficou sabendo mais aceitou, e visto que às duas famílias estavam aceitando bem, então fizeram uma união, uma celebração, juntaram às duas famílias em casa devia ter umas 10 pessoas, e aí fizeram uma celebração que essa mãe que estudou teologia fez uma oração, conduziu uma benção para a filha.”
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