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Representatividade política avança da mesma forma que violência contra pessoas trans

Foto do escritor: Ana Flávia FariasAna Flávia Farias

Atualizado: 1 de jul. de 2021


Parada LGBT. Banco de imagens Wix.
Ativistas encontram dificuldades nos avanços das demandas LGBTI+ no atual cenário político do Brasil

Felipe Carlos, coordenador estadual do Diversidade 23 e membro da Setorial LGBTI+ do Livres, afirma que o Brasil é um país contraditório quando o assunto é avanços e retrocessos em relação às questões da população LGBTI+. Ele explica que, justamente por causa da liberdade que existe, é possível registrar tantos números de violência.


Como o Brasil mata mais pessoas trans, por exemplo, do que um país onde ser trans é crime? Porque a pessoa nem se permite a liberdade de expressar sua identidade de gênero nesses [outros] países. Enquanto no Brasil, essa pessoa vai tentar se aventurar, não importa se ela seja expulsa de casa. diz.


Em 2020, o Brasil bateu recorde de pessoas trans eleitas nas eleições municipais, com um crescimento de 225%, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTra). Em contrapartida, o país ainda é o que mais assassina essa população. O Grupo Gay da Bahia apontou que, no mesmo ano, foram registradas 237 mortes violentas de pessoas LGBTI+.


De acordo com dados da ANTra, travestis e mulheres transexuais são expulsas de casa pelos pais, em média, aos 13 anos de idade. O Projeto Além do Arco-íris/Afroreggae registrou que 0,02% estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% o ensino fundamental.


No SUS não há um preparo para atender às demandas da população trans, o que gera constrangimento e falta de atendimento por parte dos hospitais. Essas pessoas não costumam procurar atendimento público com medo da ridicularização, ao mesmo tempo que não possuem condições de recorrer aos hospitais particulares. Felipe Carlos diz que para ter, de fato, um avanço contra a discriminação, precisa haver uma mudança na estrutura social e institucional.


Quantas vezes você já teve um professor ou uma professora trans? Quantas vezes você já encontrou um caixa de supermercado trans? A saúde pública também é uma preocupação que eu tenho especificamente, porque eu acho que é um nível muito radical de marginalização. Acaba excluindo essas pessoas de todo e qualquer convívio, de um nível de cidadania que seria básico a todos nós. desabafa.


A PRECÁRIA COLETA DE DADOS DE VIOLÊNCIA LGBTI+ NO BRASIL


Apesar de haver dados suficientes que colocam o país como recordista em violência contra a população LGBTI+, a coleta dessas informações é muito precária no Brasil. As ONGs que trabalham a serviço dessas pessoas procuram meios diversos para registrar os eventos. Léo Ribas, articuladora da Liga Brasileira de Lésbicas e membra do Conselho Nacional Popular LGBTI+, fala da dificuldade do processo.


Esses dados de levantamento são subnotificados. São boca-a-boca, quem ligou e avisou ou quando sai notícia no jornal, a gente reconhece a pessoa e sabe que é uma mulher lésbica, por exemplo. Na hora que cai na delegacia de homicídios, como não existe a tipificação no campo de registro da ocorrência, se torna um crime como outro qualquer, uma violência urbana. Mas, normalmente, é jogado para o tráfico de drogas porque é uma pessoa LGBTI+. explica.


A Clínica de Políticas de Diversidade da FGV Direito de São Paulo, em parceria com a ANTra, ABGLT e a RENOSP-LGBTI+ desenvolveram um protocolo policial para enfrentamento da violência LGBTfóbica no Brasil. O projeto é divido em noções iniciais para a aplicação do protocolo, abordagem policial, procedimento e registro de ocorrência e procedimento de expediente em casos de LGBTfobia.


O protocolo apresenta um guia de terminologias, como identidades de gênero, orientação sexual, o que significa a sigla LGBTQIA+, diferença entre transexuais e travestis e outras exemplificações. Também possui orientação sobre formas de abordagem, quais crimes são motivados por LGBTfobia, como fazer registro e monitoramento de ocorrências, orientação da vítima e, até tratamento de pessoas LGBTQIA+ nas delegacias em caso de serem suspeitas de cometerem algum crime.


Felipe Carlos afirma que há uma dificuldade na formulação de políticas públicas para a população LGBTI+ no Brasil por falta de dados no IBGE e a partir do que é notificado nas delegacias. Ele também fala da importância do acolhimento na hora de fazer as ocorrências. “O Protocolo de Segurança Pública tem dois pontos centrais muito importantes: o primeiro deles é o atendimento e o acolhimento. Para começar, as pessoas têm que ter conhecimento de como está a legislação, não é todo o lugar que se sabe que LGBTfobia no Brasil é crime, por incrível que pareça. O outro [ponto] são os dados que são produzidos a partir daquele atendimento. Não existe um levantamento público sobre assassinatos LGBTfóbicos. O que a gente tem, hoje, de levantamentos mais respeitados no Brasil são os do GGB e da ANTra”.


Léo Ribas também fala da importância da criação do Protocolo Policial para a população LGBTI+. “Não existe, ainda, nas delegacias, na hora de fazer o B.O, um campo para crimes de LGBTfobia. E isso é intencional dos estados. Por quê? A partir do momento que há esses dados específicos, vão ter que destinar verbas para essa população. E, eles não querem isso”.


A ativista também explicou que o Paraná, onde mora e realiza maior parte de seu trabalho, foi um dos estados que não encaminhou os dados de violência LGBTI+ para a esfera federal, por não haver suporte para a coleta dessas informações. Os movimentos ficam responsáveis pelos levantamentos, para que não haja um apagamento dessas violências e possam exigir demandas e políticas públicas do estado.


PROCESSO PARA AVANÇOS DAS DEMANDAS DA POPULAÇÃO NO PAÍS


Em 2021, marca 31 anos que a homossexualidade saiu da classificação de doenças pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Também faz dois anos que a Suprema Corte decidiu que atos de homofobia e transfobia são crimes no Brasil, com o mesmo tratamento penal do racismo. Porém, o que incomoda os ativistas é que há uma estagnação nos avanços de políticas públicas para essa população, especialmente desde 2019.


É um exercício de formiguinha para nós. A gente está há 40 anos lutando e estamos da mesma forma e, hoje, sofrendo mais violência do que no passado. No passado a violência era velada, não era tão visível. Mas hoje existe o aval da maior autoridade do país. Léo desabafa.


Felipe Carlos se preocupa com sua integridade física e de seus colegas de ativismo. Ele afirma que as ameaças são constantes e se agravam no contexto das eleições federais. “Ano passado [durante as eleições municipais], pelo menos, eu não sofri nada tão intenso quanto eu sofri em 2018. É natural que a gente receba várias ameaças anônimas de contas falsas na internet, são coisas que a gente tem que lidar todos os dias como ativistas pela causa. É um fator que afugenta muita gente que gostaria de atuar nisso, mas que teme por sua integridade física, com toda a razão”.


Felipe ainda falou do caso da primeira vereadora trans de Niterói, Benny Briolly, que teve que pedir auxílio da anistia internacional, logo após ser eleita em 2020, por conta de ameaças de morte. O ex-deputado federal, Jean Wyllys, também passou pela mesma situação. Em janeiro de 2019, desistiu de assumir o terceiro mandato e saiu do país. Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018, Jean vivia sob escolta policial.


Desde 2019, os movimentos tentam outras vias para aprovar projetos como o Protocolo Policial, que não seja o Congresso Nacional. Pela inviabilização da composição do Congresso – majoritariamente oposta às propostas progressistas desses movimentos –, eles buscam fazer mudanças através da justiça e fora do âmbito nacional, seja dentro dos estados, prefeituras, câmaras municipais ou assembleias legislativas de estado.


Felipe lembra quando a senadora Marta Suplicy tentou aprovar, em 2017, um projeto de lei que alterava o artigo do Código Civil, que diz que casamento civil é uma instituição celebrada entre homem e mulher. O receio era que o Congresso aprovasse uma redação reforçando o artigo e, assim, proibisse o casamento homoafetivo. Por isso, a intenção era prever, no Código Civil, o casamento entre duas pessoas, sem distinção de gênero.


A gente tinha um número suficiente de senadores [para aprovar o projeto], mas a frente evangélica, liderada pelo Magno Malta, conseguiu convencer os senadores, favoráveis ao projeto, a não votarem na seção, ou seja, a não aparecerem no plenário, para não se queimarem com alguns eleitores evangélicos que eles tinham. Então, acabou que o projeto não foi aprovado por falta de quórum. explica.


Léo Ribas afirma que a intenção dos movimentos é ocupar os espaços políticos para que esses processos sejam menos difíceis. Na eleição de 2020, o PT, por exemplo, elegeu 511 candidatos LGBTI+. David Miranda, do PSOL e o Marcelo Calero, do Cidadania, são uns dos principais representantes na Câmara. No Senado, o Fabiano Contarato, do Rede, é um exemplo.

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